quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Darfur

CONFERÊNCIA LÍBIA RELANÇA OPTIMISMO
A conferência internacional sobre o roteiro de paz para o martirizado Darfur que decorreu este fim-de-semana na capital líbia, terminou com uma nota de optimismo.
«Estamos muito felizes porque este encontro terminou com uma mensagem, forte de paz e o início de negociações. Penso que agora vemos a luz no fundo do túnel», disse Jan Eliasson, enviado especial da ONU para o Darfur que partilhou a presidência do evento com Salim Ahmed Salim, o seu homólogo da União Africana (UA).
Said Djinnit, Comissário da UA para a Paz e Segurança, disse que os movimentos rebeldes do Darfur mostram vez mais a vontade de reatar o diálogo com Cartum e que o mês de Setembro deve ser crucial, MISNA noticia.
A declaração final da conferência de Tripoli revela que de 3 a 5 de Agosto os enviados especiais da ONU e da UA vão-se encontrar em Arusha, Tanzânia, com os líderes rebeldes que se recusaram a assinar o Tratado de Paz para o Darfur, de Maio do ano passado.Jan Eliasson está optimista que o Governo do Sudão e os grupos rebeldes do Darfur se sentem à mesa das conversações de paz em Setembro.
A Conferência Internacional sobre o Darfur juntou diplomatas da ONU, da UA, da Liga Árabe, da União Europeia e de 18 países.

Pe. José Vieira

Vidas Reais


Samia Ramadan, 5 anos. Chora e pergunta todos os dias pelos irmãos que foram mortos pelos janjauid em Buram.
Zinat Abdu, 3 anos, diz que a casa onde vive agora é muito pobre comparada com aquela em que vivia em Bulbul e que no campo de refugiados de Kalma não tem ovelhas nem cabras para guardar e brincar… nem leite.
Abd el Wahab e a Raqui, 7 ou 8 anos, trabalham com e como os adultos à entrada do campo refugiados de Kalma a fazer tijolos: «Quero trabalhar aqui, fazer e vender muitos tijolos para fazer uma casa para mim e meus avós.» Os seus pais e resto da família foram mortos pelos janjauid.
Ramadan estava prestes a casar com Leila quando vieram os janjauid… Destruíram, queimaram e levaram-lhe a querida noiva que nunca mais chegou a ver. Depois de dois anos Leila ainda estará viva? Talvez escrava?
Abdu e Hachim bateram à porta da missão de Nyala era quase meia-noite. Afoitei-me e fui abrir. «Pedimos protecção por esta noite», dizem. Quase que falam ao mesmo tempo e têm pressa de entrar. «Os amigos dos jaunjauid sabem que estamos aqui na cidade». Abdu e Hachim fugiram de Greida onde se luta há 4 dias. Apareceu uma alma amiga que lhes deu guarida e protecção porque sabia o perigo que tanto eles como eu corríamos. Na manhã seguinte partiram para o sul. São sulistas e cristãos.
Jamal viu-me à entrada do seu campo de refugiados em Kalma e perguntou: «Porque não multiplicais os esforços sanitários aqui? Falta de tudo, mas ao menos se houvesse algumas latrinas haveria muito menos risco de infecções e cólera…» É perigoso parar à entrada de um destes campos, eu sei. Mas eu queria ouvir alguém, falar, partilhar esperanças, pobrezas e riquezas. Que as há. De uma e outra parte. Num e noutro sentido.
Pe. Feliz Martins

Darfur

Diplomacia do gato e do rato
A Secretária de Estado Norte-Americana disse ontem que é tempo de acabar com a diplomacia do gato e do rato do Sudão sobre o Darfur.
«Temos que nos manter resolutos para acabar com o sofrimento e a violência no Darfur. Já morreram pessoas de mais, demasiadas mulheres foram violadas, demasiadas crianças foram separadas das suas famílias», Condoleezza Rice disse aos participantes de uma reunião conjunta da Organização dos Estados Americanos e da União Africana em Washington DC.
«Não podemos deixar o Governo do Sudão continuar este jogo da diplomacia do gato e do rato, prometendo e depois negando. É nossa responsabilidade como nações de princípios, como democracias de princípios, obrigar o Sudão a prestar contas», a Dr.ª Rice advertiu.
Entretanto, Grã-bretanha, França e Gana prepararam o esboço de uma resolução sobre a força híbrida de paz da ONU e da União Africana para o Darfur.
A força vai chamar-se UNAMID e terá cerca de 26 mil elementos entre militares, polícias e civis. Deverá estar operacional do início de 2008 e terá um mandato inicial de um ano.
Pe. José Vieira

Darfur

© Lusa
AGENTES HUMANITÁRIOS SOB VIOLÊNCIA CRESCENTE
Os agentes humanitários operam no Darfur sob condições de violência crescente e em Junho a situação piorou dramaticamente, indica o relatório sobre segurança de uma agência caritativa presente na província ocidental do Sudão.
Durante o mês passado, foram registados 30 incidentes classificados de sérios e bandidos armados e milícias lançam ataques violentos diários contra organizações não governamentais, escreve o diário londrino «The Independent». No ano passado a média era de 10 ataques por mês.
O relatório denuncia que duas pessoas foram mortas e cinco feridas durante os ataques, 28 agentes humanitários sequestrados e 35 viaturas roubadas, baleadas ou sequestradas.
Em 2006, o Governo de Cartum assinou o Acordo de Paz para o Darfur com uma facção rebelde. O acordo, contudo, não parou a violência. Pelo contrário, o conflito piorou. No último ano mais de meio milhão de Darfurianos procurou refúgio em campos de deslocados internos. Os campos atingiram a lotação máxima, mas os deslocados continuam a chegar diariamente, agências humanitárias alertam.
No Darfur, há cerca de 14 mil agentes humanitários a trabalhar para mais de 80 agências internacionais de ajuda, a maior operação humanitária jamais montada pela ONU.
Pe. José Vieira

Darfur

NAÇÕES UNIDAS E UNIÃO AFRICANA ORGANIZAM CONFERÊNCIA
As Nações Unidas (ONU) e a União Africana (UA) estão a organizar (mais) uma conferência internacional para avaliar o novo plano de paz para o Darfur que devia levar a uma nova fase de negociações com todas as forças envolvidas no conflito.
Radhia Achouri, porta-voz da Missão das Nações Unidas no Sudão (UNMIS) revelou antes de ontem em Cartum que a conferência decorre em Tripoli, Líbia, a 15 e 16 de Julho sob a presidência conjunta da ONU e UA.
Treze países foram convidados para a conferência: Chade, Egipto, Eritreia, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, China, França, Rússia e Grã-bretanha), Canadá, Holanda, Noruega, Líbia e, claro, o Sudão.
A União Europeia e a Liga Árabe também foram convidadas.
Entretanto, a ONU e a UA destacaram a Eritreia e o Governo autónomo do Sul do Sudão como possíveis mediadores para as futuras negociações de paz no Darfur entre os rebeldes e Cartum.
Em Maio do ano passado o governo do Sudão assinou o Acordo de Paz do Darfur (DPA) com uma facção do Exército de Libertação do Sudão (SLA) em Abuja, Nigéria. O DPA não trouxe paz ao Darfur. Pelo contrário, a oposição a Cartum passou de dois movimentos (SLA e JEM) para uma dúzia de grupos e facções.
Pe. José Vieira

AS PROMESSAS DE PARIS

A Conferência Internacional sobre o Darfur, que decorreu em Paris a 25 de Junho, terminou com uma mão cheia de promessas e pouco mais.
A comunidade internacional prometeu redobrar esforços para pôr termo ao conflito que começou em Fevereiro de 2003 e já fez mais de 200 mil vítimas e para cima de dois milhões de deslocados e refugiados.
Condoleezza Rice, a Secretária de Estado norte-americana, voltou a ameaçar o Sudão, com novas sanções caso Cartum não permita dentro de emio ano o estabelecimento de uma força híbrida das Nações Unidas (ONU) e da União Africana (UA) para parar com o genocídio no oeste sudanês.
O enviado especial da China ao Sudão afirmou que o presidente sudanês «está pronto para negocial a qualquer hora e em qualquer lugar.»
O ministro francês dos negócios estrangeiros, Bernard Kouchne, defendeu a importância de uma solução política para o conflito e anunciou que em Setembro um «grupo de contacto alargado» vai-se encontrar à margem da Assembleia Geral da ONU para discutir o Darfur.
A França pôs de lado 10 milhões de euros para apoiar a Missão da União Africana no Sudão (AMIS em inglês). A Espanha prometeu 5 milhões de euros para a força híbrida ONU/UA e outro tanto em ajuda humanitária. A União Europeia reservou mais 31 milhões de euros para ajudar os darfurianos.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, afirmou no final da conferêcia que «como seres humanos e políticos, devemos resolver a crise do Darfur. O silêncio mata. Temos que mobilizar a comunidade internacional para dizer “Basta!”».
Pe. José Vieira

LÍDERES MUNDIAIS DISCUTEM DARFUR

Líderes mundiais incluindo Estados Unidos, China, Rússia e Japão, vão reunir com representantes da ONU e da União Europeia em Paris na segunda-feira para discutir a situação no Darfur, anunciou o ministério francês dos negócios estrangeiros.
Representantes dos Estados Unidos, Grã-bretanha, Canadá, Dinamarca, Egipto, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Portugal e Suécia confirmaram a participação na Conferência de Paris.
A União Africana e o Sudão muito provavelmente ficam de fora em protesto por não serem previamente consultados sobre a iniciativa.
O encontro é organizado pelo recém-eleito presidente francês, Nicolas Sarkozy. Pretende juntar todos os países envolvidos no conflito do Darfur juntamente com a China para discutir uma solução política e questões humanitárias e de segurança, explicou a agência AFP.
Pe. José Vieira

O testemunho vivo do povo do Darfur

"Assalam aleikum”. Foi uma saudação apressada. Um “bom dia” de alguém com o coração apertado pela angústia. Por isso passou à frente do ritual do costume: a lengalenga de perguntas e respostas acumuladas e repetidas (sobre a vida, a saúde, a família) como fazem as pessoas desta terra, quando se cumprimentam.
Veio do frio da noite e das estradas improvisadas no deserto-savana do Darfur. Convido-o a sentar-se, mas ele não dá conta da cadeira. Fica de pé, o turbante a envolver-lhe a cabeça e o rosto, permitindo apenas que se lhe vejam os olhos que me falam de aflição mas também de muita esperança de viver. Destapou o rosto e, da sua boca, ouvi palavras de amargura.
“Não podemos aguentar mais. Já há muito que a nossa gente quer fugir desta terra maldita. As razias tornaram-se coisa normal e frequente. Em cada hora que passa há vidas que já não são. Muitas aldeias já deixaram de existir. Não poucas vezes somos obrigados a conviver com o cheiro fétido dos corpos que nem sempre podemos sepultar. Agora já não há longe nem perto: os “jaujauid” moram ao nosso lado. Violam as nossas mulheres e filhas; roubam o nosso gado. A nossa vida ou a nossa morte depende somente do bel-prazer desses malditos sanguinários”.
Que fazer? Dizer palavras de consolação? De simpatia? A melhor escolha foi o silêncio: E, daí a instantes, concluiu: “o meu nome é Macur”. Homem já bem entrado nos cinquenta. Sultão, com longa experiência de autoridade na tribo dinca. Com a posição que ocupa na sua comunidade, ele sabe que não pode chorar nem deve mostrar medo. Seria a sua derrota. Respira fundo para tomar coragem. “Se temos de fugir, que seja em direcção à nossa terra, porque nós não somos daqui e não temos nada a ver com os árabes” – diz, agora já mais calmo e sereno.
Este homem representa uma lista sem fim de seres humanos que já vêm de uma longa caminhada. A guerra e a fome no Darfur já mataram mais de 200 mil dos seus irmãos. E aos que conseguiram sobreviver, mudou-lhes a identidade. Passaram a ser deslocados ou refugiados. Mais de 2 milhões. Errantes, sem eira nem beira.Chamar-lhe guerra é pouco. O que, desde há quatro anos, está a acontecer nesta zona do Oeste do Sudão é um verdadeiro genocídio. Registo a expressão do Macur que, me convida a olhá-lo de alto a baixo e diz, com tristeza: “pensávamos poder regressar com calma e tão somente depois de ter enchido estes ossos, mas agora está difícil salvar mesmo os ossos”!

Pe. Feliz da Costa Martins

A Infância no Sudão

O missionário comboniano José Vieira mostra-nos alguns dados oficiais sobre a situação das crianças sudanesas.
A UNICEF calcula que haja no Sudão cerca de 10 mil crianças-soldado. A ONU diz que 21 dos 26 estados sudaneses estão minados e têm munições por explodir pondo em risco a vida das crianças. Investigações recentes indicam que 42 por cento dos casamentos são de crianças com menos de 18 anos. Só 39 por cento das crianças são registadas ao nascer. No norte do Sudão quase 70 por cento das meninas e mulheres são vítimas de mutilação genital feminina. No ano passado, em média, dois bebés eram abandonados por dia em Cartum. Noventa por cento dos casos registados no Centro da polícia para Mães e Crianças estão relacionados com ofensas sexuais ou relacionadas com a questão feminina. A UNICEF calcula que pelo menos metade das crianças sudanesas praticam alguma forma de trabalho.

Podemos fazer a diferença!

Aquando do massacre em Timor, os Portugueses uniram-se, quiseram e aconteceu algo que ainda hoje parece um milagre. No Sudão, o milagre não seria menor se Ibtissam pudesse cumprir o seu nome e voltasse a ser puro Sorriso num Darfur onde todos tivessem direito à vida e à paz.
Awad tem uns 30 anos. Casou com Ibtissam (Sorriso). Têm um filhote, Bahkit, e são do Darfur – a casa dos Fur –, a província ocidental do Sudão. Viviam em Khur el Bashar, perto de El Fashir. Os janjauid, as milícias árabes, atacaram a aldeia: casas queimadas, mulheres violadas, dezenas de mortos, gado roubado. Os sobreviventes refugiaram-se em Manauachi.
Três meses depois decidiram voltar. Pensavam que o furacão de morte tinha passado. Mas enganaram-se. Os ginetes – é este o significado de janjauid em árabe – voltaram montados em camelos e cavalos para secar a aldeia da sua gente. Khur el Bashar significa torrente do homem. Três anos depois do último ataque é um leito seco sem vivalma.
Awad é agricultor como a maioria dos muçulmanos negros do Darfur. «Trabalhava nos campos, sempre tive o suficiente para a minha família e para os meus pais. Agora vivo no campo de deslocados de Dereje. Todos os dias vou a Nyala à procura de trabalho. Mas não é fácil. A cidade está cheia de desempregados como eu. Vêm dos campos de Dereje e de Kalma. A minha mulher cuida do menino e trabalha na Organização de Beneficência. Ganha alguns dinares», diz. «Mas a maioria dos deslocados limita-se a ficar no campo, por fraqueza, doença ou pela idade.»
Um genocídio regional
A guerra civil do Darfur começou em Fevereiro de 2003. Rebeldes do Exército de Libertação do Sudão (SLA), e mais tarde o Movimento de Justiça e Igualdade (JEM) – as siglas correspondem aos nomes em inglês –, pegaram em armas contra Cartum, acusando o Governo do Sudão de discriminar os agricultores negros em favor dos pastores árabes.
O Governo de Omar el Bashir respondeu com as milícias janjauid. Em quatro anos, mais de 200 mil pessoas morreram, 2,5 milhões foram deslocados e quatro milhões carecem de ajuda. Cerca de 1500 aldeias foram apagadas do mapa.
O genocídio alastrou ao Chade e à República Centro-Africana. Os janjauid atacam além-fronteiras e começaram a matar árabes. Nos desertos inóspitos do Leste do Chade vivem 235 mil refugiados sudaneses e 140 mil deslocados internos chadianos. Todos fogem da limpeza étnica dos janjauid.
A táctica de Bashir
As Nações Unidas montaram no Darfur uma vasta operação humanitária. Catorze mil funcionários tentam aliviar as necessidades de quatro milhões de vítimas do conflito. A sua acção, contudo, é limitada pela insegurança.
A União Africana (UA) destacou 7000 homens para a região. A Missão da UA no Sudão (AMIS em inglês) está no Darfur desde Junho de 2004, mas é incapaz de travar a matança dos janjauid. Os soldados são poucos, mal armados e mal treinados.
Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, propôs reforçar a AMIS com uma força híbrida de 23 mil capacetes azuis da ONU e soldados da UA. Omar el Bashir não aceita. Nega que haja violações no Darfur, diz que «no Sudão somos todos negros», que as vítimas dos «confrontos tribais» não passam os 9000, que o contingente africano chega para patrulhar uma área do tamanho da França. Depois de muita pressão internacional, apenas aceitou que 3000 polícias e militares da ONU dêem apoio técnico à AMIS.
Uma guerra muito suja
O Conselho dos Direitos Humanos da ONU enviou uma missão ao Darfur em Fevereiro passado. Os delegados escreveram que a situação do Darfur é «caracterizada pela violação sistemática e brutal dos direitos humanos e infracções graves da lei humanitária internacional».
E continuam: «A matriz principal [do conflito] é uma campanha violenta de contra-rebelião levada a cabo pelo Governo do Sudão em concerto com os janjauid; as milícias alvejam sobretudo civis.»
O relatório denuncia constantes atentados de todo o tipo contra os direitos humanos das populações: assassínios, torturas, violações, deslocações forçadas e prisões arbitrárias. A ONU acusa as forças armadas do Sudão de atacar alvos civis com aviões e veículos pintados com as insígnias da AMIS.
O xadrez dos interesses
Há vastos interesses em jogo no tabuleiro do Darfur. Os Estados Unidos denunciaram o genocídio, mas limitam-se a fazer ameaças. Isto porque o Sudão se tornou uma fonte importante de informação acerca dos movimentos dos terroristas e um aliado na luta norte-americana contra o terrorismo internacional.
A China, por seu turno, protege Cartum das sanções no Conselho de Segurança da ONU com o seu direito de veto. A razão é ainda mais óbvia: o Sudão é o seu maior fornecedor de petróleo e um parceiro económico importante. Entretanto, a Líbia e a Eritreia querem vigiar a fronteira entre o Chade e o Sudão; a Liga Árabe e o Egipto tentam manter o diálogo entre El Bashir e Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU.
O Governo semiautónomo do Sul do Sudão criou uma missão especial para o Darfur e pretende organizar uma cimeira com todas as forças rebeldes. Até porque a comunidade internacional tem centrado as suas atenções no Oeste do Sudão, e o Sul, que há tão pouco tempo saiu de uma violenta, demolidora e longa guerra civil, não está a receber as ajudas nem os investimentos que esperava. Decisivos para a sua reconstrução e para a construção de um futuro de paz, principalmente quando no horizonte se perfila um referendo sobre a sua autonomia.
O acordo da Rolls Royce
O governo de Al Bashir divide para reinar, diz que sim hoje e que não amanhã e só se sentará à mesa das negociações se a tal for forçado por uma diplomacia musculada que recorra a medidas punitivas concretas.
Especialistas defendem que a presença de uma força híbrida de 23 mil soldados no Darfur não é suficiente, que tem de ser complementada pelo congelamento das contas sudanesas no estrangeiro, a interdição do espaço aéreo do Darfur, a limitação das viagens dos líderes sudaneses ao exterior – e, para pressionar a China, nada sensível a violações dos direitos humanos, aproveitar a proximidade das Olimpíadas de Pequim de 2008, tão importantes para a imagem que a liderança chinesa quer dar ao mundo, para pôr termo ao genocídio.
Cabe à União Europeia (UE) liderar uma ofensiva diplomática que force Cartum a encontrar uma solução política para o Darfur através de um Acordo Compreensivo de Paz entre todas as partes envolvidas, como aconteceu com a guerra civil no Sul do Sudão. O Acordo de Paz assinado entre Cartum e uma facção do SLA a 5 de Maio de 2006 morreu à nascença. Neste caso, fora a Rolls Royce a abrir caminho: a empresa britânica, que fornecia motores à indústria petrolífera sudanesa, suspendeu todas as actividades no país como forma de protesto pelo que se passa no Darfur.
O papel de Portugal
Se uma só empresa pode tanto, uma comunidade internacional decidida e unida poderá muitíssimo mais. Mas não só a diplomacia, as organizações internacionais e humanitárias, os governos ou os actores económicos têm um papel a desempenhar. Cabe à sociedade civil europeia, fazendo jus às tradições humanistas de uma Europa de matriz cristã, pressionar os políticos e os decisores para que estes deixem as meias-medidas e as meias-tintas e se decidam de vez a pôr termo ao genocídio no Oeste do Sudão. Na hora em que Portugal assume a presidência da UE, os Portugueses e o seu Governo têm uma responsabilidade acrescida.
Aquando do massacre em Timor, os Portugueses uniram-se, quiseram e aconteceu algo que ainda hoje, apesar de todas as vicissitudes, parece um milagre. No Sudão, o milagre não seria menor se Ibtissam pudesse cumprir o seu nome e voltasse a ser puro Sorriso num Darfur onde todos tivessem direito à vida e à paz.
Pe. JOSÉ VIEIRA, (Além-Mar, Junho 07
- www.alem-mar.org)

KI-MOON APLAUDE SIM DO SUDÃO À FORÇA DE PAZ PARA O DARFUR

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, classificou de «marco histórico» o sim do Sudão ao envio de uma força híbrida de paz da ONU e da União Africana (UA) para o Darfur.
O Sudão aceitou na terça-feira em Adis Abeba o envio de uma força híbrida de paz formada por 17 a 19 mil soldados e polícias da ONU e da UA para substituir a força de paz africana que tem sido incapaz de pôr termo à violência que consome a província ocidental sudanesa desde 2003.
Contudo, funcionários da ONU reconhecem que as estruturas de comando e a captação rápida de forças para a missão de paz são desafios importantes.
O Secretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Sudão, Dr. Mutrif Sideek, explicou que a afirmação de que o governo Sudanês mudou de opinião rejeitando a força híbrida e aceitando-a agora é uma «inverdade».
«O Governo sudanês desde o ano passado que acolheu as fases sucessivas até chegar ao estádio da operação híbrida», o Dr Sideek afirmou ontem em Khartoum numa conferência de imprensa.
O acordo assinado em Adis Abeba entrega o comando das operações diárias à União Africana e o comando global da força híbrida às Nações Unidas. Contudo, o documento não esclarece como o comando conjunto ONU-UA vai funcionar na realidade.
Entretanto, o Presidente George W. Bush anunciou ontem que os Estados Unidos vão endurecer as sanções contra o Sudão apesar de Cartum ter aceitado a força híbrida para o Darfur.
Discursando via satélite no Encontro Anual da Convenção Baptista do Sul, o presidente Bush disse que Condoleezza Rice, encarregada dos negócios estrangeirtos norte-americanos, estava a estudar com os aliados a preparação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para alargar o embargo de armas ao Sudão e fechar o espaço aéreo do Darfur a voos militares sudaneses.
O Governo de Cartum tem praticado um autêntico jogo de yo-yo sobre o estabelecimento de uma força híbrida de manutenção de paz no Darfur.
O conflito no Darfur estalou em 2003 e já matou mais de 200 mil pessoas. Mais de dois milhões de darfurianos tiveram que abandonar as suas casas.
Pe. José Vieira

Nyala: A ONU de visita à igreja

Uma delegação americana da ONU veio à igreja de Nyala. Chegou de surpresa, conversou um pouco com as pessoas e depressa partiu para Cartum. Pela minha parte, fico a rezar para que a pomba branca não perca o rumo nem se canse de voar e chegue ao seu destino: Darfur. E seja um novo princípio: a paz. Unam-se as vontades e a política se purifique de interesses pessoais abusivos de uma tribo, raça ou nação! Ou do mundo inteiro!
«O senhor é o responsável da igreja católica de Nyala?» À minha resposta afirmativa, o representante do protocolo do governador de Nyala perguntou se estava interessado em receber a visita da delegação americana enviada pelas Nações Unidas. Visitas ao Darfur por parte de altas personalidades políticas e diplomáticas sudanesas ou internacionais são frequentes nestes tempos de conflitos armados nesta terra. Mas a surpresa foi grande para mim ao ouvir que a igreja, desta vez, é parte do programa oficial. Quase não tive tempo de responder que sim e nem tão-pouco seria necessário. Porque logo apareceram os três carros diplomáticos no adro da igreja. As pessoas que estavam comigo ocupadas nos preparativos da Semana Santa sentiram pena e desilusão por tudo ter acontecido num momento, sem oportunidade de dar as boas-vindas aos ilustres hóspedes com uma certa dignidade. Quando deram conta viram-se rodeados de uma dezena de pessoas, seis das quais estrangeiras. Quem eram? Qual o motivo deste encontro repentino e inesperado? E as saudações, boas-vindas e salamaleques misturaram-se, entre outras coisas, com as perguntas sobre a guerra e a segurança no Darfur.Quem guiava a conversa era versado na arte de perguntar. E também de responder, no caso de descuido do interlocutor incauto. Situação que os membros da delegação da ONU imediatamente captaram e delicadamente foram tentando remediar. Câmaras fotográficas e de vídeo eram usadas sem problemas. Os dois grupos sabem os objectivos um do outro. Tudo politicamente correcto. Política com política se trata.
O diálogo inter-religioso
A irmã Jean d’Arc, uma missionária de nacionalidade libanesa, juntou-se ao grupo onde o Macur e eu partilhávamos a conversa sobre o tema do diálogo inter-religioso. A pergunta ainda estava no ar. Enquanto a missionária fazia a sua partilha, o tradutor abanou a cabeça, sorriu e disse: «Se não se puseram de acordo de antemão, parece...» Não importa se não adivinhei a intenção desta sua atitude. O certo é que, para mim, coincidir em certas coisas é bom sinal e só nos fica bem. Os seis estrangeiros ouviram, sem problemas, a tradução oficial. «Graças a Deus há gestos bonitos de expressão de uma convivência de respeito e diálogo entre muçulmanos e cristãos. Mas nem tudo são rosas sem espinhos: há algumas dificuldades de ambas as partes.» A conversa ia-se desenvolvendo com uma relativa naturalidade. Por pouco tempo, pois o responsável da visita veio com a sua proposta: o tempo à nossa disposição é pouco; antes de terminar, queiram passar pelo interior da igreja...
O Sr. Joseph K., membro da comitiva da ONU, fez-se de desentendido. Num abrir e fechar de olhos, vejo-o a conversar com quem ele bem queria. Voltei-me para um dos jovens e bastou um cruzar de olhos para, quase instantaneamente, ver a maioria do grupo deslocar-se naquela direcção. Os oficiais sudaneses, já quase à porta da igreja – que seria o suposto término da visita oficial – voltaram para trás e juntaram-se a nós. Admirei o seu poder de disfarce. O ambiente tornou-se um pouco pesado e um tanto mais sério. O que permitiu, não obstante, que não se perdesse uma palavra sequer do que estava a ser dito.
«Ao voltarmos ao nosso país queremos transmitir aquilo que vimos e experimentámos aqui, sobretudo no que diz respeito à segurança das pessoas», dizem. O interlocutor é um sudanês do Sul do país. Aparenta mais de 40 anos de idade (omite-se o nome por razões de segurança), fala o inglês razoavelmente e trabalha numa organização humanitária. Apercebi-me que queria comentar em jeito de resposta, mas esperou pela verdadeira pergunta, que veio logo a seguir: «É verdade que há genocídio aqui no Darfur?»
O genocídio não é aqui
O grupo era todo ouvidos a escutá-lo. Sabemos que as suas palavras põem em risco a sua vida e a de mais alguns. «Agradeço a vossa visita à igreja, se não mais para vos dizermos que não é aqui no centro da cidade que se vêem os massacres e genocídios perpetrados pelos jaunjauid, directa ou indirectamente (através das lutas tribais estimuladas e acicatadas pelos janjauid e pelo Governo). Assim como vossas excelências quiseram vir à igreja católica, queiram também fazer o pedido ao governador de Nyala para se deslocarem às aldeias fora da cidade. Infelizmente, lá não tereis oportunidade de ver muita gente. Em muitas delas não encontrareis mesmo ninguém. Só escombros e alguns ossos que os animais deixaram espalhados. Não será por acaso que na Internet encontrais números como 200 mil mortos e 2 milhões e meio nos campos de refugiados.»
«Com estes carrões em que eles viajam põem-se lá num ai!» – alguém cochichou ao meu lado. É uma das vítimas das razias dos janjauid na aldeia de Khur el Bachar e que agora vive no campo de refugiados de Utach. Quem pôde ouvir, comentou positivamente com um sorriso e um aceno de cabeça. O tradutor oficial não reagiu. Mas, pelo resto, está de parabéns pela fidelidade com que transmitiu na íntegra, palavras e ideias que, à primeira vista, não coincidiriam com o seu esquema mental e patriótico. Entretanto, uma voz soou e desta vez foi obedecida: «O nosso muito obrigado a todos vós por terdes recebido os nossos ilustres hóspedes. Agora é mesmo o fim. Vamos continuar a visita na cidade. Amanhã voarão para Cartum.»
«Com esses carrões em que eles viajam, põem-se lá num ai»? Não. Amanhã voarão para Cartum. E depois de amanhã? Já não faço mais contas. Pela minha parte, fico a rezar para que a pomba branca não perca o rumo nem se canse de voar e chegue ao seu destino: Darfur. E seja um novo princípio: a paz. Unam-se as vontades e a política se purifique de interesses pessoais abusivos de uma tribo, raça ou nação! Ou do mundo inteiro!
Pe. FELIZ DA COSTA MARTINS

Darfur: O milagre da paz

Por: JOSÉ VIEIRA, Jornalista no Sul do Sudão
Aquando do massacre em Timor, os Portugueses uniram-se, quiseram e aconteceu algo que ainda hoje parece um milagre. No Sudão, o milagre não seria menor se Ibtissam pudesse cumprir o seu nome e voltasse a ser puro Sorriso num Darfur onde todos tivessem direito à vida e à paz.
Awad tem uns 30 anos. Casou com Ibtissam (Sorriso). Têm um filhote, Bahkit, e são do Darfur – a casa dos Fur –, a província ocidental do Sudão. Viviam em Khur el Bashar, perto de El Fashir. Os janjauid, as milícias árabes, atacaram a aldeia: casas queimadas, mulheres violadas, dezenas de mortos, gado roubado. Os sobreviventes refugiaram-se em Manauachi.
Três meses depois decidiram voltar. Pensavam que o furacão de morte tinha passado. Mas enganaram-se. Os ginetes – é este o significado de janjauid em árabe – voltaram montados em camelos e cavalos para secar a aldeia da sua gente. Khur el Bashar significa torrente do homem. Três anos depois do último ataque é um leito seco sem vivalma.
Awad é agricultor como a maioria dos muçulmanos negros do Darfur. «Trabalhava nos campos, sempre tive o suficiente para a minha família e para os meus pais. Agora vivo no campo de deslocados de Dereje. Todos os dias vou a Nyala à procura de trabalho. Mas não é fácil. A cidade está cheia de desempregados como eu. Vêm dos campos de Dereje e de Kalma. A minha mulher cuida do menino e trabalha na Organização de Beneficência. Ganha alguns dinares», diz. «Mas a maioria dos deslocados limita-se a ficar no campo, por fraqueza, doença ou pela idade.»
Artigo da Além-Mar