"Assalam aleikum”. Foi uma saudação apressada. Um “bom dia” de alguém com o coração apertado pela angústia. Por isso passou à frente do ritual do costume: a lengalenga de perguntas e respostas acumuladas e repetidas (sobre a vida, a saúde, a família) como fazem as pessoas desta terra, quando se cumprimentam.
Veio do frio da noite e das estradas improvisadas no deserto-savana do Darfur. Convido-o a sentar-se, mas ele não dá conta da cadeira. Fica de pé, o turbante a envolver-lhe a cabeça e o rosto, permitindo apenas que se lhe vejam os olhos que me falam de aflição mas também de muita esperança de viver. Destapou o rosto e, da sua boca, ouvi palavras de amargura. “Não podemos aguentar mais. Já há muito que a nossa gente quer fugir desta terra maldita. As razias tornaram-se coisa normal e frequente. Em cada hora que passa há vidas que já não são. Muitas aldeias já deixaram de existir. Não poucas vezes somos obrigados a conviver com o cheiro fétido dos corpos que nem sempre podemos sepultar. Agora já não há longe nem perto: os “jaujauid” moram ao nosso lado. Violam as nossas mulheres e filhas; roubam o nosso gado. A nossa vida ou a nossa morte depende somente do bel-prazer desses malditos sanguinários”. Que fazer? Dizer palavras de consolação? De simpatia? A melhor escolha foi o silêncio: E, daí a instantes, concluiu: “o meu nome é Macur”. Homem já bem entrado nos cinquenta. Sultão, com longa experiência de autoridade na tribo dinca. Com a posição que ocupa na sua comunidade, ele sabe que não pode chorar nem deve mostrar medo. Seria a sua derrota. Respira fundo para tomar coragem. “Se temos de fugir, que seja em direcção à nossa terra, porque nós não somos daqui e não temos nada a ver com os árabes” – diz, agora já mais calmo e sereno. Este homem representa uma lista sem fim de seres humanos que já vêm de uma longa caminhada. A guerra e a fome no Darfur já mataram mais de 200 mil dos seus irmãos. E aos que conseguiram sobreviver, mudou-lhes a identidade. Passaram a ser deslocados ou refugiados. Mais de 2 milhões. Errantes, sem eira nem beira.Chamar-lhe guerra é pouco. O que, desde há quatro anos, está a acontecer nesta zona do Oeste do Sudão é um verdadeiro genocídio. Registo a expressão do Macur que, me convida a olhá-lo de alto a baixo e diz, com tristeza: “pensávamos poder regressar com calma e tão somente depois de ter enchido estes ossos, mas agora está difícil salvar mesmo os ossos”!
Veio do frio da noite e das estradas improvisadas no deserto-savana do Darfur. Convido-o a sentar-se, mas ele não dá conta da cadeira. Fica de pé, o turbante a envolver-lhe a cabeça e o rosto, permitindo apenas que se lhe vejam os olhos que me falam de aflição mas também de muita esperança de viver. Destapou o rosto e, da sua boca, ouvi palavras de amargura. “Não podemos aguentar mais. Já há muito que a nossa gente quer fugir desta terra maldita. As razias tornaram-se coisa normal e frequente. Em cada hora que passa há vidas que já não são. Muitas aldeias já deixaram de existir. Não poucas vezes somos obrigados a conviver com o cheiro fétido dos corpos que nem sempre podemos sepultar. Agora já não há longe nem perto: os “jaujauid” moram ao nosso lado. Violam as nossas mulheres e filhas; roubam o nosso gado. A nossa vida ou a nossa morte depende somente do bel-prazer desses malditos sanguinários”. Que fazer? Dizer palavras de consolação? De simpatia? A melhor escolha foi o silêncio: E, daí a instantes, concluiu: “o meu nome é Macur”. Homem já bem entrado nos cinquenta. Sultão, com longa experiência de autoridade na tribo dinca. Com a posição que ocupa na sua comunidade, ele sabe que não pode chorar nem deve mostrar medo. Seria a sua derrota. Respira fundo para tomar coragem. “Se temos de fugir, que seja em direcção à nossa terra, porque nós não somos daqui e não temos nada a ver com os árabes” – diz, agora já mais calmo e sereno. Este homem representa uma lista sem fim de seres humanos que já vêm de uma longa caminhada. A guerra e a fome no Darfur já mataram mais de 200 mil dos seus irmãos. E aos que conseguiram sobreviver, mudou-lhes a identidade. Passaram a ser deslocados ou refugiados. Mais de 2 milhões. Errantes, sem eira nem beira.Chamar-lhe guerra é pouco. O que, desde há quatro anos, está a acontecer nesta zona do Oeste do Sudão é um verdadeiro genocídio. Registo a expressão do Macur que, me convida a olhá-lo de alto a baixo e diz, com tristeza: “pensávamos poder regressar com calma e tão somente depois de ter enchido estes ossos, mas agora está difícil salvar mesmo os ossos”!
Pe. Feliz da Costa Martins
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